
AMOR próprio
Definir o amor próprio com certeza não é uma tarefa fácil. Entretanto, uma coisa que podemos afirmar é que esse amor é tão importante quanto qualquer outro, embora muitas vezes seja deixado de lado. Se analisarmos literaturas que abordam esse tema, podemos perceber que cada autor trata o conceito a sua maneira, mas, de modo geral, o amor próprio pode ser entendido como o sentimento ou estima que temos de nós mesmos. É preciso considerar, todavia, que a percepção que temos sobre nós é atravessada por diversas coisas que nos influenciam nessa autoavaliação. O resultado disso pode ser tanto algo positivo, como uma crítica construtiva que nos torna melhores, quanto algo negativo que vai nos fazer sentir errados, inferiores ou incompetentes, por exemplo.
O amor próprio, então, diz respeito a nutrirmos um apreço por nós mesmos, aceitando cada pedacinho do nosso físico, da nossa personalidade, do nosso psicológico, do nosso jeitinho... é aquela questão de nos amarmos do jeito que a gente é ou nos modificar para encontrarmos a pessoa que realmente somos. Como no caso de algumas pessoas trans que realizam a cirurgia de redesignação sexual e demais modificações para se encontrarem no corpo que se identificam.
Fato é que tudo isso parece muito bonito e fácil na teoria, porém, a prática não é tão simples assim! E quem nos conta isso é Adrian Ferreira, mestranda em letras que trás em seu relato a sua vivência sendo atravessada por marcadores que a nossa sociedade estabelece.
''Eu me identifico como uma bicha afeminada, trans, não-binaria e tive muitos altos e baixos durante todo esse tempo de existência. Pela questão das imposições que a sociedade coloca, sobre o que é aceitável relacionado a sexualidade, a identidade de gênero, a corpo, a beleza, etc... Eu tive um início de depressão por todas essas questões e desde 2017, que eu me descobri uma pessoa não binária, eu venho em busca de autoconhecimento.''
Os ideais que nossa sociedade, e até nós mesmos definimos, nos afasta do nosso amor. Isabelly Carvalho também nos compartilhou que a correria do dia a dia e a vida robótica que ela levava contribuíram para que ela se distanciasse cada vez mais do autocuidado.
Toda sociedade é fruto de uma construção e de estabelecimento de diversos padrões. Atualmente, vivemos com o auxílio da tecnologia e da mídia que servem de plataforma para a disseminação de ideais, por vezes preconceituosos, por todos os cantos. Esses enquadramentos de ‘‘dentro ou fora’’ acabam por fazer algumas pessoas que não estão na caixa do ‘‘padrão’’ acreditarem que não são suficientes, e por isso não conseguem se amar.
Segundo a Psicóloga e Escritora Gabrielly Brasca, não existe uma fórmula a ser utilizada para compreender o por quê de uma pessoa não possuir um boa autoestima. ''Os motivos para alguém não ter amor próprio é sempre muito subjetivo, pequenas situações e traumas que foram sendo desenvolvidos desde muito cedo, até resultar em uma pessoa insegura e com baixa autoestima. Minha abordagem é a psicanalítica, então eu começaria a investigar a raiz dessa insegurança, quais são os motivos dessa pessoa ter pouco amor próprio, pode ser um motivo ou uma centena, diante deles, começa o trabalho terapêutico para entendê-los e enfrentá-los.’’
Algo que talvez todos nós já vimos, é a representação de algumas características sendo colocadas como bonitas ou feias pelo contexto de um produto midiático. Um exemplo disso é o clássico filme ''O Diário da Princesa'', obra de 2001 que conta a história de uma garota comum que descobre ser filha do príncipe de Genóvia, país fictício da obra. A partir daí ela começa a viver nesse mundo glamoroso de princesa rica. Um ponto que marca a transformação da personagem, além de suas ações, é a sua mudança de visual, na qual o filme tem a intenção de retratar que a personagem se tornou mais bonita. O problema disso tudo é que o visual da garota enquanto era ''pobre e feia'' é caracterizada pelos uso de óculos e seu cabelo cacheado. A partir do momento que ela se torna ''rica e bonita'', segundo o filme, ela deixa de usar óculos e alisa o seu cabelo.
Tudo isso, por mais simples ou inocente que pareça, acaba fortalecendo ainda mais alguns padrões e preconceitos, principalmente em nosso imaginário pessoal. E como podemos ver, através de alguns comentários de usuários da rede social Twitter, esse imaginário de beleza criado pelo filme influenciou diretamente a autoestima de algumas pessoas.
Bem, mas quem pensa que estamos falando apenas do físico se engana, pois o padrão vai muito além. Ele se estende para um padrão de trabalho, de vida, de comportamento, de saúde, de alimentação e por aí vai. E com o surgimento e popularização de novas tecnologias e redes sociais, cada vez mais se abriu espaço para que as pessoas pudessem compartilhar suas vidas diárias, mesmo que apenas o recorte das partes boas ou, até mesmo, de uma realidade idealizada, quase inalcançável, de bem-estar e felicidade. Criando assim, para o público, a idealização de um padrão que na verdade não existe, e que é, basicamente, fabricado.
E justamente para seguir esses padrões irreais, muitas pessoas apostam na utilização de vários filtros em suas fotos compartilhadas nas redes sociais. O Projeto Dove realizou em dezembro de 2020 uma entrevista com mais de 1500 mulheres, entre 10 e 55 anos, nos Estados Unidos, Inglaterra e Brasil. O resultado desse experimento revelou que, aproximadamente, 4 de 5 garotas, acima de 13 anos, já utilizaram os artifícios das redes sociais para mudar ou ocultar seus aspectos físicos.
''Eu passei por um momento muito difícil! Assim, ainda tô passando um pouco, são crises de dermatite atópica, que eu tenho desde pequena. Só que de 2019 pra cá eu comecei a ter muitas crises, crises intensas. E conforme eu fui refletindo sobre elas eu percebi que parecia uma falta de mim mesma, sabe? Uma falta de olhar pra mim, de olhar pras coisas que eu amo, as coisas sutis que que a gente ama, sabe?''










A pesquisa mostra a busca dos jovens por esses filtros justamente por eles proverem, de certa forma, uma aproximação aos padrões mostrados na grande mídia. Como exemplo podemos reparar diversos filtros que aumentam os lábios, afinam o rosto, diminuem o tamanho do nariz, criam uma maquiagem, trocam a cor do cabelo e dos olhos, dentre outros. Esses artifícios tecnológicos podem aproximar os utilizadores desses filtros, da tal ‘‘beleza ideal’’. Porém, são apenas ferramentas que mascaram a imagem real, e o público tem a plena noção disso.
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Os dados mostram que 35% das jovens brasileiras se sentem “menos bonitas” ao verem fotos de famosas, influenciadoras e celebridades nas redes sociais, pois acreditam que nunca chegarão a esse patamar de ‘‘beleza’’. Entretanto, a inclusão e popularização de modelos, celebridades e influencers mais diversos e “reais” tem feito grandes mudanças na percepção de autoestima. Ainda segundo a pesquisa, 70% das mulheres entrevistadas disseram que não se sentiriam julgadas e ficariam menos preocupadas com a aparência se fossem mais representadas no meio digital.
Uma pesquisa realizada pela líder global de dados Kantar, constatou que as marcas de moda e alimentos são os ramos que mais trabalham pela igualdade de gênero. A equidade que essas áreas fornecem é de extrema importância levando em conta que cerca de 13% das mulheres possuem baixa autoestima, enquanto o percentual masculino é de 9%.
Quanto mais se trabalha com a visibilidade e a diversidade de sexo, gênero, raça e outros marcadores nesses meios, mais possível se torna a disseminação de padrões diversos e, por consequência, a influência para uma maior aceitação do público consigo mesmo. Visto que estão se identificando com as pessoas dos comerciais, novelas, passarelas, etc. Para a psicóloga Dulcinéia Duarte, é muito importante fugirmos do discurso de que “todos são iguais”. De certo modo, isso pode até ser verdade, mas temos que nos atentar e entender a relevância da singularidade de cada um. “Nós somos diferentes e isso não nos faz ter mais ou menos valor. A diversidade que existe entre nós não caracteriza desvantagem alguma, ao contrário: é enriquecedor!”.
A tão falada representatividade ganha força nesse contexto pois leva para as grandes mídias e lugares de destaque pessoas de diferentes etnias, corpos, formatos, cabelos e jeitos, por exemplo. Trazendo ao público uma mensagem de autocuidado, autoaceitação e amor próprio. Novamente citando Trizz, em sua música ''Elevação mental'' ela comenta sobre não deixarmos que nossa sociedade esmague o nosso amor próprio: ''A sanidade tá escassa no mundo das aparências. Não se cale jamais diante do opressor. Não deixe que o sistema acabe com seu amor''.
A estudante de Psicologia e artista independente Thaylane Elias, acredita que a arte deixa tudo mais bonito e ela não deve ser machista, sexista, racista... muito pelo contrário, a arte abraça tudo e todos.
"Eu acredito que qualquer forma de arte é libertador, é uma forma de você se encontrar e externalisar o que não consegue falar. Colocar forma e cor em um sentimento parece meio louco de se pensar, mas quando se faz aí que percebemos o quão leve é pôr em um papel tudo aquilo. Eu acredito que a arte pode trazer o amor próprio para quem a está criando e, por sua vez, a representatividade pode ajudar o público quanto a encontrar esse amor!"
A artista Letrinha também compreende a arte como uma ferramenta que ajuda o artista a expressar coisas que ele pode não saber colocar em palavras. Através da arte, os sentimentos podem ir se soltando e acabarem desencadeando sentimentos em quem irá ver aquela obra. Por isso se sentir representado na arte, segundo letrinha, é se sentir visto e validado, e o meio artístico tem muito para contribuir com esse sentimento tão importante.
a vida dela sendo completamente diferente da minha, em muitos momentos me vi como se fosse ela. Não era preciso que a situação fosse a mesma para que eu entendesse e me identificasse com exatamente os mesmos sentimentos da autora."
A artista também acredita que retratar outras formas de beleza pode contribuir para que as pessoas se aceitem e se enxerguem mais. "Agora vemos muitas modelos e artistas com cabelo cacheado ou crespo, coisa que há poucos anos não tinha em tanto destaque, e isso incentivou muitas pessoas a aceitarem o próprio cabelo. Além de representatividade visual, quando se fala mais sobre outros padrões de beleza nós visibilizamos eles como um todo. O que incentiva a criação de uma diversidade maior de produtos como base para pele, cremes para cabelo, roupas e etc."
A ilustradora e quadrinista Karlla Kikano compartilha da mesma concepção que nossas outras artistas. Por isso, ela sempre cria seus personagens com uma grande diversidade de corpos, sexualidades, gêneros, personalidades e demais características.
Para além de toda essa representatividade e inclusão, a pesquisa da Kantar também trouxe resultados que demonstram a existência de outras dimensões que podem impactar na autoestima de uma pessoa.
Esses e muitos outros fatores propiciam para que o amor próprio seja alcançado e a Márcia Araújo nos conta sobre mais um deles. Segundo ela, ao longo de nossas vidas passamos por várias mudanças e a medida que crescemos e amadurecemos como pessoa começamos a nos amar mais, nos cuidar mais e nos importar menos com as influências externas. A fala dela se concretiza dentro dos
resultados da pesquisa, pois, segundo os dados obtidos, é possível observar que existe uma tendência que associa a maturidade com a autoaceitação. Apontando que após os 29 anos, as mulheres tendem a se tornar mais seguras. Demonstrando que o autoconhecimento juntamente com o amadurecimento são fatores que auxiliam nesse processo de busca e encontro com o nosso amor próprio.
Por isso, devemos diariamente exercitar o autocuidado. Não apenas amarmos o nosso corpo físico, pois o amor próprio é muito mais plural do que apenas isso. É saber dizer não quando necessário, é cuidar da sua saúde física e mental. Exercitar é a palavra-chave. O amor próprio assim como os outros amores precisa ser cultivado e talvez nós nunca vamos nos amar 100%, até porque estamos em uma constante mudança e melhora. Mas apenas o ato de exercitar o autocuidado diariamente influencia diretamente no modo em que vamos experienciar a vida, nós mesmos e até mesmo nossas relações de amor com o outro.
Segundo Isabela Barbosa, a jornada para amar a si mesmo é algo difícil, às vezes é algo doloroso, e pode demorar. É um conjunto de passinhos que damos para chegar cada vez mais perto desse tão sonhado amor próprio. Essa estrada não tem fórmula, não tem regras! Mas vale muito a pena!
''Cada um vive de um jeito, cada um se percebe de um jeito, cada um vê as mudanças acontecendo de um jeitinho diferente. Mas é tão gratificante você se olhar no espelho e falar "- Uau! Nossa! Eu tô incrível hoje! E o amor próprio não é apenas uma questão do físico, como eu acabei de mencionar. Mas, o amor próprio também está presente quando, por exemplo, você não está afim de sair com os amigos e conseguir fala não. Falar não, e não se sentir culpado. Ou você ter consciência do que você deseja, você saber sim
o que você gosta ou saber ter consciência dos seus valores. São esses pequenos passos, pequenas coisinhas que são estrelinhas dentro da gente. E você vê essas estrelinhas como sinais do seu amor próprio, você está inteiramente pra si!''.
Assim como Isabela descreveu a busca pelo amor próprio como uma estrada penosa, porém recompensadora, a psicóloga Anne Caroline nos compartilhou que isso é uma realidade de seus pacientes. Pois a maioria deles possui uma baixa autoestima e se preocupam mais com a validação externa do que com a interna. Mas esse cenário precisa ser mudado! Devemos, segundo ela, tirar os outros de um pedestal e começar a dar atenção para nossas próprias vontades, desejos, sonhos... e ir se compreendendo, encontrando-se e se amando cada vez mais.
A entrada no caminho em direção ao amor próprio, de acordo com o psicólogo Cristiano Nabuco, deve se iniciar já na infância. Pois, mesmo que normalmente as crianças não sofram por baixa autoestima, à medida que vão crescendo e se desenvolvendo são envoltas por uma enxurrada de experiências que podem influenciar na sua autoavaliação.
Para a pós-graduanda em pedagogia Bruna de Castro, as equipes pedagógicas podem atuar junto
com os professores para buscar formas de ensinar e trabalhar esse tema com as crianças.
"É preciso que o educador busque formas de ensinar os alunos a se amarem e terem consciência da importância disso. Através de um trabalho multidisciplinar, contando com a participação e colaboração dos alunos, pais e profissionais de várias áreas, é possível desenvolver esse tema com as crianças e contribuir com a construção da autoestima deles".
Outro recurso que pode ser utilizado para trabalhar esse tema com os pequenos é trazendo a pluralidade existente no mundo, para o universo dele, para o seu dia a dia. No ato de brincar, assistir desenho e ler um livrinho, por exemplo, a criança esta ali se construindo como um ser social. Por isso trabalhar a diversidade e representatividade através desses elementos é um auxílio para que a criança desenvolva seu amor próprio e desconstrua preconceitos. Pois, além de já irem se identificando com outros elementos externos, elas também vão tendo mais contato com a variedade de pessoas que existem. Com isso, a criança vai aos poucos entendendo que faz parte de uma sociedade, na qual todos são diferentes e o respeito ao outro é essencial.
A representatividade atreladas ao respeito a si e ao outro, são a chave para se alcançar o mais próximo possível do tão falado amor próprio. Nos relatos abaixo, você encontrará histórias que vão abordar mais individualmente esse processo de compreensão, busca, encontro e amor consigo mesmo.



"Amor próprio é sobre o cuidado que temos com nós mesmos. Não só sobre cuidados físicos, mas cuidado mental, cuidado com as relações que estamos. Amor próprio é sobre autoconhecimento! Sobre saber respeitar nossos limites, sobre reconhecer nossas forças. Acho que as pessoas precisam parar de se comparar. Precisam respeitar seu tempo, seus processos e acima de tudo ter orgulho deles!"


"Muitas pessoas que estão se encontrando em suas sexualidades podem possuir muitas dúvidas e medos. Entretanto, a representação dessa diversidade pode influenciar as pessoas a se sentirem mais seguras, pois é muito difícil entender o que você está sentindo quando ninguém ao seu redor parece sentir o mesmo. Por isso, é extremamente importante esse tipo de representatividade, pois eles acabam proporcionando o sentimento de pertencimento e entendimento que sempre buscamos. Eu tenho como exemplo a quadrinista lésbica Tillie Walden que coloca muito de sua vida em suas histórias. E mesmo


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